quarta-feira, 19 de agosto de 2009

“O empreendedor é um animal de caça"Jorge Gerdau Johannpeter responde perguntas de seis líderes empresariais sobre liderança,inovação,sustentabilidade

"A inquietação do empresário é uma coisa extraordinária". A frase é de um dos maiores empresários brasileiros de todos os tempos: Jorge Gerdau Johannpeter. Na noite desta terça-feira, em Porto Alegre, a convite da Junior Achievement, o presidente do Conselho de Administração do Grupo Gerdau respondeu o questionamento de seis líderes empresariais sobre temas que, apesar de diferentes, se relacionam diretamente com a atividade empreendedora. "O empresário é o principal agente social. Não tem professor ou padre que transforme tanto a sociedade", afirma.

O time selecionado pela Junior Achievement, ONG de educação prática em economia e negócios, foi formado por pessoas conhecidas - e reconhecidas - no meio empresarial pelo sucesso de seus empreendimentos: José Galló (presidente da Lojas Renner), Marcelo Carvalho (co-presidente do Grupo Ancar Ivanhoe), Ricardo Felizzola (presidente do Conselho de Administração da Altus), Eduardo Bier (fundador e proprietário da Cervejaria Dado Bier), Antonio Tigre (vice-presidente de Gestão e Finanças do Grupo RBS) e Ricardo Vontobel (presidente do Conselho de Administração do Grupo Vonpar).

José Galló, da Lojas Renner - A palavra gestão sempre é associada a alguém que administra uma empresa. Perdi meu pai aos dois de idade. Comecei a gerir minha vida e minha carreira muito cedo. Na faculdade, estudei administração e me especializei em gestão de empresas de varejo nacionais em uma época em que era status ser gestor de indústria ou de entidade financeira. O que é ser um gestor, um empreendedor?

Jorge Gerdau Johannpeter - Fico entusiasmado ao ver jovens empreendendo. A figura do empreendedor é muito importante na sociedade. O empreendedor é um animal de caça, que tenta detectar alguma lacuna ou espaço aonde vai colocar um produto ou serviço. É ele quem analisa as oportunidades. Essa atitude é uma chama de inquietação, uma dádiva que cada um pode ampliar, ou não. O empresário é alguém que escolhe um produto ou serviço e depois assume riscos, capacita equipes, produz e oferta ao mercado. E o incrível é que ele faz tudo isso e, depois desse milagre todo, ainda paga impostos. O empresário é o principal agente social. Não tem professor ou padre que transforme tanto a sociedade quanto o empresário.

Antonio Tigre, do Grupo RBS - O que deve ser feito para desenvolver o espírito empreendedor e a liberdade de mercado. Como criar a atitude de se pensar grande?

Gerdau - O processo de educação dentro do empreendedorismo tem dimensões culturais muito grandes e está vinculado à liberdade de mercado, para que a pessoa dê vazão à sua capacidade criadora. A liberdade de empreender é um patrimônio extremamente rico. O Brasil e a América Latina têm um histórico que não estimula a educação empreendedora. Tivemos regimes autoritários, forte presença de Igrejas... que preferem militantes, gente que obedece, que não pensa demais. Já o empreendedor é um analista permanente, inquieto na busca de novos caminhos. Nosso papel, no sentido de educação, precisa ser muito forte nessa cultura histórica de militantes obedientes vinculados a padrões que ainda estão soltos por aí na América Latina. A capacidade de formar liberdade de mercado é nossa, dos empresários. Quanto mais empresários, mais agentes sociais importantes.

Ricardo Felizzolla, da Altus - A tecnologia e a inovação formam um fenômeno que se repete em comunidades que têm ambientes propícios a isso, onde se destaca a atitude empreendedora. Hoje, tudo que é criado numa ponta do mundo chega rapidamente do outro lado. Isso gera inovação, que produz riqueza às empresas. Empresas estas que, há dez anos, não existiam, e que hoje faturam bilhões. Vejo esses processos como as duas turbinas de um avião: uma é a gestão e a outra a inovação. Qual o segredo para começar, continuar e perpetuar um empreendimento?

Gerdau - Vicente Falconi, que é um guru da gestão, tem uma visão internacional, acadêmica e pragmática sobre isso. Ele mostra a importância do triângulo Liderança, Conhecimento e Processo. O processo se dá por meio de metodologia, de um sistema. Sem essa metodologia, o conhecimento se perde. A segurança significa a não perda, a maximização, o 6 Sigma, a satisfação do cliente. Quem lê os relatórios históricos da G&E vê que o 6 Sigma é algo quase sem falhas. Sobrevida e perpetuidade de uma empresa acontecem por meio da inovação. Não existindo isso, a tendência é de que o produto ou o serviço acabe morrendo. O processo de inovação tem que estar incorporado ao empresário, e pode acontecer de várias maneiras.

Na Gerdau, são 18 processos e em todos tentamos ser benchmark. Temos que captar recursos mais baratos, capacitar gente, trabalhar métodos. Inovação é inerente aos processos. Mesmo na vida individual, o empresário tem que se capacitar, inovar a atitude, ter atitude inovadora. Tudo muda e eu, empresário, tenho que ter a capacidade de me adaptar a isso. Hoje, a gente se forma na faculdade e no dia seguinte já estamos superados. Esse é o desafio da vida moderna. É quase assustador, mas preciso buscar a perfeição operacional e a inovação sobre todos processos que executo. O mundo se move para quem se mobiliza mais. É um desafio fantástico e que precisa incorporar a palavra benchmark. Deveria existir isso no setor público, mas não há. Como consequência, a sociedade é obrigada a carregar uma estrutura extremamente conservadora.

Marcelo Carvalho, do Grupo Ancar Ivanhoe - E a questão do capital humano? Qual o papel das pessoas num empreendimento? Elas são um patrimônio das empresas?

Gerdau - Trinta anos atrás eu disse: podem levar todos meus ativos, mas não levem minha equipe. É com essa equipe que vou conseguir fazer tudo ainda melhor do que na primeira vez. A diferença da empresa está na qualidade das pessoas. Gente motivada, entusiasmada, atinge patamares elevados de eficiência. Está em nossas mãos formar equipes felizes. Investir no crescimento das pessoas é um desafio fantástico. Hoje, as coisas estão nas prateleiras. É possível fazer uma montadora de veículos por telefone, mas duas áreas de uma empresa dependem do Homem: as equipes e o atendimento ao cliente. Isso varia conforme as lideranças e a capacidade de gestão que as empresas têm. Na Gerdau, são mais de 50 mil funcionários. Todos eles recebem, em média, 100 horas de capacitação ao ano. Existem tecnologias para desenvolver processos de motivação, que levam os empregados ao sentimento de pertencer a uma organização vencedora, dar a vida por isso.

Existem três processos que, ao longo de minha vida de CEO, sempre fiz questão de acompanhar: relações institucionais (processos políticos, defesa de interesses de stakeholders); planejamento com visão estratégica; e recursos humanos. É necessário sempre formar pessoal e procurar talentos. Hoje, se existe um problema, contrata-se um técnico para resolver. Isso o dinheiro compra. Já pessoas, talentos, não podem ser compradas. Pouco tempo atrás, um funcionário que trabalhava em Divinópolis (MG) faleceu vítima de câncer. Ele pediu para ser enterrado com o uniforme da Gerdau. Isso mostra valores que podem ser identificados. São valores de equipe, que se quer ter em casa, com a família, passar aos filhos, aos netos. Investir, educar e capacitar não tem limite.

Ricardo Vontobel, da Vonpar - Apesar das questões histórico-culturais mencionadas, as empresas latino-americanas têm sido bem sucedidas. São empresas bastante jovens, inclusive, que vêm tendo papel importante na transformação do Brasil de hoje. Qual a responsabilidade dos empresários na sociedade?

Gerdau - O empresário não pode se despir de sua responsabilidade de cidadão. Esse tema, no Brasil, tem dimensão ainda maior do que em países desenvolvidos, como os Estados Unidos e o Canadá. Isso acontece porque aqui existem grandes diferenças entre as classes sociais. A primeira responsabilidade social é ser sério na profissão. A segunda tem relação com a comunidade, a vizinhança, a paróquia. Já a terceira é uma que tenho tentado transmitir sem muito sucesso, aliás. É a responsabilidade social institucional. O líder empresarial deve transmitir conhecimento. Ele pode doar dinheiro e não ver o que vai ser feito. Pode doar dinheiro e acompanhar onde será investido. Ou então pode se engajar no processo e participar dele. A construção institucional do Brasil depende de nós, líderes, empresários. Temos sido omissos nisso. Os políticos eleitos são insatisfatórios e, por isso, temos que trabalhar ainda mais. O maior patrimônio de um empresário é sua capacidade de gestão e ele precisa levar isso adiante. Quem tem ônus de ser líder deve passar esse conhecimento. Tenho dúvidas se entrego para meus filhos e netos um país melhor do que recebi. Vejo essa bagunça toda no Senado e me questiono. Hoje, os desafios da globalização são complexos. Temos que ter visão da gestão da sustentabilidade econômica, ambiental e social. Tenho inquietações enormes nesses temas.

Eduardo Bier, da Dado Bier - Como suprir as necessidades atuais permitindo que as gerações futuras sejam sustentáveis? Hoje, o discurso é sustentável, mas a prática ainda está longe disso. Vejo aí um grande gap. O que é preciso fazer para se construir uma sociedade sustentável?

Gerdau - Existem três tipos de sustentabilidade: econômica, ambiental e social. Uma não vive sem a outra. Estas três atividades estão relacionadas. Isso, conceitualmente, está em evolução rápida, mas a plena conexão que existe entre elas ainda não está culturalmente incorporada. Se a gente analisar, numa visão de longo prazo, a econômica não se sustenta sem a ambiental. Ainda estou no aprendizado de como interligar os três processos, dentro dessa visão, que é tremendamente difícil em termos práticos. É necessário que se invista muito mais em tecnologia. Os investimentos em soluções tecnológicas não estão acompanhando o crescimento econômico. Acabamos aprendendo apenas com os erros e catástrofes. Faço essa análise e me incluo nesse processo de tentativa de entendimento. Temos que nos capacitar muito mais sobre o tema. Ao se deparar com uma floresta, os índios americanos se preocupavam em preservá-la até a sétima geração. Não é o que fazemos.

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